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Jun 01, 2024

Sábado de despedida de um sapateiro da Missão que quer ficar

Leia em espanhol

Nicolas Torres recebeu carta após carta nos últimos meses, pedindo-lhe que pagasse o aluguel. Então, no mês passado, chegou o “ultimato”. “Você paga ou desiste”, escreveu o proprietário. Parado em sua loja quase vazia entre as enormes máquinas de conserto de calçados e um carrinho de mão esta semana, Torres disse que queria ficar.

Torres dirige a Alexander's Shoe Repair, em 3189 Mission St., perto de Valência, em homenagem a seu filho, nascido em 1990, mesmo ano da loja. Embora os negócios tenham desacelerado um pouco, a Covid-19 atingiu duramente. O aluguel era a maior dor.

“Quando você trabalha sozinho, é difícil”, disse Torres.

Nos últimos 10 dias, Torres, hoje com 77 anos, trabalhou diariamente das 10h às 18h, não para consertar sapatos como fez nas últimas três décadas no Alexander's, mas para limpar tudo, preparando-se para a “despedida”.

Durante a pandemia, o proprietário perdoou o aluguel por 15 meses e depois reduziu o aluguel de US$ 2.700 para US$ 1.600. “Quase 50% de desconto”, disse Torres. "Isso é bom." Mas ainda não é viável para um negócio “desacelerado” como o dele.

A receita mensal de Alexander geralmente ficava entre US$ 2.000 e US$ 3.000. Isso teria que cobrir todos os custos do negócio, como serviços públicos e materiais, e a hipoteca de Torres. O sapateiro sugeriu ficar e pagar o aluguel “aos poucos”. Mas, diz ele, o proprietário recusou a oferta.

“Eu quebrei”, disse Torres, referindo-se à recusa do proprietário. “Eu tive que desistir.”

“Temos lutado para manter as portas abertas em meio às incertezas e aos desafios dos últimos anos”, dizia o aviso na vitrine, redigido pela filha de Torres em inglês e espanhol. O edital explicava o fechamento e convidava amigos e clientes para uma “festa comunitária” na tarde deste sábado.

Nas palavras do próprio Torres, é uma “festa de despedida”, dando adeus com a palma da mão direita, dedos abertos e um sorriso gentil no rosto.

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“Adoro o meu trabalho”, disse Torres, “gosto de ajudar as pessoas”. Essa foi sua paixão por mais de 30 anos, talvez até mais, desde criança, ajudando em uma empresa de fabricação de calçados e, mais tarde, aprendendo o ofício de conserto de calçados em Honduras, nas décadas de 1950 e 1960.

Torres foi solicitado a deixar a unidade vazia e limpa até 12 de abril. “Assim, xerife, feliz”, disse ele. Mas para o próprio Torres, “às vezes não consigo dormir”.

Torres ficou atormentado por sua relutante decisão de desistir. “Penso nisso todos os dias, muita dor de cabeça, muitas, muitas coisas.” Ele franziu a testa, olhou para baixo e pressionou a têmpora com dois dedos.

A loja costumava estar repleta de todos os tipos de sapatos, máquinas e materiais, de prateleiras a cabides, de prateleiras a paredes. Mas agora, Torres e a sua família recolheram quase tudo, excepto 10 máquinas pesadas, prateleiras e estantes vazias, alguns sacos de lixo pretos gigantes e as centenas de sapatos restantes que aguardam os seus donos.

Mais de uma dúzia de grandes sacos de papel com sapatos de clientes foram numerados, nomeados e alinhados bem ao lado da vitrine. Torres ligou para os clientes um por um. Alguns atenderam; alguns não. Alguns podem vir; alguns talvez não. Uma coisa que Torres aprendeu em suas décadas de negócios foi que as pessoas esquecem os próprios sapatos.

“Você não vai acreditar em mim, mas eu tenho um sapato de 2018.”

Quantos sapatos esquecidos como esse ele tem?

“Talvez 200 pares”, disse Torres, e riu.

Por que as pessoas não querem seus sapatos de volta?

“Eles esqueceram”, disse Torres, acrescentando que alguns desconectaram seus telefones e outros deixaram a cidade.

Torres planeja limpar os sapatos há muito esquecidos e levá-los para uma venda de garagem.

Um par de botas lindamente bordadas até os joelhos foi deixado em uma das prateleiras vazias mais altas perto da entrada; cada pessoa que entrar irá notá-los. “Todo mundo gosta dessas botas”, disse Torres, tirando a poeira enquanto falava. Mas já se passaram dois meses: “Ela nunca veio”.

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